segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

A base do ministério é o caráter

O perigo de uma vida dupla

A mídia tem sido especialmente dura com pessoas no ministério cristão que levam vidas duplas e causam desgraça a si mesmas, àqueles que amam e ao evangelho. Sabe-se que ministérios não são o único ambiente em que os hipócritas se escondem. Eles estão em todas as profissões. Banqueiros roubam dinheiro, atletas usam drogas, advogados fabricam evidências, políticos aceitam propinas, médicos vendem narcóticos e pais abusam de seus filhos. A igreja não é o único covil de ladrões. A natureza humana, sendo o que é, nos garante que encontremos pessoas mascaradas nos tribunais, clínicas, nos auditórios de palestras, escritórios oficiais, em mesmo em lares que parecem normais e felizes.

Isso, entretanto, não é desculpa para “pecados religiosos”. As pessoas esperam mais dos ministros do evangelho, justamente porque o ministério cristão está associado ao caráter. Batsell Barret Baxter afirma: “O caráter do pregador tornou-se a base sobre a qual tudo o mais se firma ou despenca”.

A construção do caráter

Phillips Brooks definiu a preparação para o ministério como “nada menos que a construção de um homem”. Ele disse:

Ela não pode ser o mero treinamento para certos truques. Também não pode ser o fornecimento de conhecimento abundante. Deve ser nada menos do que o amassar e temperar a natureza de um homem até torna-la de tal consistência e qualidade que seja passível de ser transmitida.

Em um de seus sermões, Brooks define “o grande propósito da vida” como “a moldagem do caráter pela verdade”. O que significa que precisamos ter talento, treinamento, experiência, reputação e personalidade, mas se não tivermos caráter, não teremos nada, pois a base do ministério é o caráter.
Robert Murray M’Cheyne escreveu a seu amigo missionário Daniel Edwards:

Lembre-se de que você é espada de Deus – instrumento dele -, creio que um vaso escolhido para carregar seu nome. O sucesso dependerá, em grande parte, da pureza e perfeição do instrumento. Não são tanto os grandes talentos que Deus abençoa, mas uma semelhança com Jesus. Um ministro santo é uma arma terrível nas mãos de Deus.

O caráter é a matéria-prima da vida, a partir da qual, pela diligência, construímos um templo, ou, por negligência, produzimos lixo.
Abraham Lincoln dizia que o caráter é como uma árvore e a reputação é como a sombra desta árvore. A reputação é o que as pessoas pensam que somos; caráter é o que Deus sabe que somos.  O evangelista D. L. Moody disse que o caráter é “o que um homem é no escuro”. O mestre em finanças J. P. Morgan declarou que “caráter é a melhor garantia que uma pessoa pode dar”.
Caráter é o que Jesus descreveu nas Bem-aventuranças e demonstrou em sua vida e ministério, conforme o relato dos Evangelhos. O caráter é formado pelas qualidades que o apóstolo Paulo chamou de “fruto do Espírito” em Gálatas 5.22,23; são as qualificações para o ofício em 1Timóteo 3 e em Tito 1. Pessoas de caráter têm integridade; o que elas dizem e fazem vem do coração inteiramente dedicado a Deus.

Integridade significa inteireza interior; não tentamos enganar os outros (hipocrisia) ou a nós mesmos (duplicidade).
Integridade é José dizer “não” à mulher de Potifar e ir para a prisão por ser honesto e casto. É Moisés desistir dos privilégios de um príncipe egípcio pelos perigos e problemas existentes para um profeta judeu, e por quarenta anos, sacrificialmente, servir a um povo que não merecia a sua liderança. É o profeta Jeremias devotar sua vida a suplicar a seu povo e ver a nação morrer perante seus olhos. É Paulo dizendo: “Meus irmãos, tenho cumprido meu dever para com Deus com toda a boa consequência, até o dia de hoje” (Atos 23.1, NVI), e baterem em sua boca por ter dito isso. É Martinho Lutero, na Dieta de Worms, declarando: “Não posso fazer outra coisa; esta é a minha posição. Que Deus me ajude. Amém”, e mesmo que não quisesse iniciava o movimento de Reforma da Igreja. É Jim Elliot escrevendo em seu jornal: “Não é tolo aquele que abre mão do que não pode reter para ganhar o que não pode perder”.

Caráter se revela nas coisas escondidas do dia-a-dia, como dizer a verdade quando uma mentira ira ajuda-lo a escapar de problemas, levar a culpa quando alguém a merece, não tomar atalhos em um trabalho que ninguém vai inspecionar, ou fazer sacrifícios para ajudar as pessoas que não irão apreciar o que você fizer de qualquer maneira. Caráter significa viver sua vida diante de Deus, temendo só a ele e procurando agrada-lo, não importa como você se sente ou o que outros possam dizer e fazer.

Construir um caráter é processo difícil que envolve a experiência de toda a vida. “A força do caráter é cumulativa”, escreveu Emerson em seu ensaio Autoconfiança. “Todos os dias de virtude que se passaram colaboram para tal.”
Para os cristãos, formar um caráter saudável e santo é levar as Escrituras a se tornarem uma parte do seu ser interior e obedecer ao que elas dizem. Esse tipo de caráter vem com o tempo dedicado, fervorosamente, à adoração e à oração, com os sacrifícios feitos com alegria e com o desejo de servir aos outros. O caráter é fortalecido quando sofremos e dependemos da graça de Deus para sermos conduzidos por ele e glorificamos seu nome. Isso significa dizer como Jó: “Mas ele conhece o caminho por onde ando; se me puser à prova, aparecerei como o ouro.”(Jó 23.10, NVI).

Nos dias de hoje, em que a mídia faz mágicas, pessoas insignificantes e sem talento podem alcançar fama internacional muito rapidamente, mas esse tipo de reputação não é caráter. Walter Savage Landor, nunca viu um aparelho de televisão, mas tinha essa “falsa fama” em mente quando, há mais de um século, escreveu: “Quando homens pequenos produzem grandes sombras, é sinal de que o sol está se pondo”.

Raramente o caráter se constrói em solidão; precisamos da responsabilidade e prestação de contas que outros trazem para nossa vida para que o caráter seja saudável e equilibrado. Embora não apreciemos certas experiências, precisamos dos desapontamentos e machucados que experimentamos quando amamos e servimos às pessoas. Sejam pessoas ligadas ao ministério pastoral, ao conselho de uma igreja, ou à família. O relacionamento de compromisso nos ajuda a seguir o planejamento de Deus e a construir um caráter que o agrade.

Questões de caráter

A natureza do ministério cristão nos apresenta oportunidades que podem ser testes que nos ajudam em nossa estruturação pessoal ou nos tentam para nos destruir. As pessoas nos abrem suas vidas e relacionamentos confidenciais podem levar à exploração. Semana após semana, nos apresentamos perante as pessoas e declaramos a Palavra de Deus. A apreciação destas pessoas pode inflar nosso ego, ou sua crítica, nos abater. O que achamos que é sucesso, Deus pode ver como fracasso, da mesma forma que nossas falhas aparentes podem tornar-se nossas maiores conquistas para a glória de Deus.

Embora chamados de “servos de todos”, os ministros têm mais tempo do que a maioria para administrar seu tempo e planejar suas atividades. “Em uma vida santa, deve haver controle do tempo”, escreveu Ralph Turnbull. “Devemos disciplinar as horas e submetê-las ao propósito de Deus”.

Há também a perigosa influência do amortecimento, a que Geroge Morrison chamou de “habituar-se a lidar com o que acompanha as coisas sagradas”. Mecanicamente, preparamos sermões e os pregamos, mas nosso coração não está abrasado pela mensagem de Deus. Dia após dia, oramos com pessoas feridas, e cada oração é igual à anterior, e ninguém percebe a diferença. O profeta Malaquias tinha esse tipo de ministério em mente quando denunciou os sacerdotes de seu tempo, que eram mercenários e não pastores de vidas. 

Ser capaz de devotar a vida inteira a estudar e ensinar a verdade de Deus, servindo com o povo de Deus, carregando fardos e compartilhando a construção da Igreja, é um grande privilégio!

Como o caráter se destrói

Como uma grande catedral, o caráter se constrói dia após dia, uma pedra de cada vez, com paciência e determinação, todo o tempo procurando seguir o plano de Deus passo a passo. E, como uma grande catedral, o caráter pode ser destruído silenciosamente, em vários lugares escondidos, imperceptíveis, mas nunca despercebidos por Deus. Um dia, a tempestade vem e a estrutura se rompe, e a queda é grande.

O caráter se destrói porque as pessoas falham em colocar em prática Provérbios 4.23: “Acima de tudo, guarde o seu coração, pois dele depende toda a sua vida” (NVI). A vida é construída sobre o caráter e o caráter é construído sobre as decisões que tomamos. Contrariando os desejos de seus pais e a lei de Deus, Sansão decidiu se casar com uma mulher filisteia, sem perceber que sua decisão foi um dos primeiros passos para a sua derrota. Davi decidiu deixar o campo de batalha e ficar em casa repousando; mas ao deixar de lado suas armaduras, a material e a moral, descobriu que não poderia vencer as astutas ciladas do diabo ou os desejos do próprio corpo. Por outro lado, pessoas como José, Josué, Rute, Ester, Paulo e João, decidiram confiar em Deus, assumiram seu lugar junto ao povo de Deus e foram usados por Deus para realizar façanhas.

A erosão do caráter geralmente começa com a negligência. Deixamos de ler a Palavra, a adoração torna-se escassa e passamos a não dedicar mais tempo à meditação e à oração. Paramos de nos doar e, ao invés disso, começamos a perguntar “O que vou ganhar com isso?”. Paramos de ter fome de santidade e de exercitar a disciplina e o discernimento espiritual. Paramos de fazer aqueles sacrifícios que mostram nosso amor por Cristo e por seu povo. Fazemos nosso trabalho ministerial mecanicamente porque nosso coração não está mais nele. Com o tempo, nos vemos “fazendo arranjos” para pecar, convencidos de que podemos nos livrar da responsabilidade ou culpa daquilo que ninguém sabe.

O processo é mortal. Primeiro oscilamos, depois pecamos em segredo; em seguida vem a oculta erosão de caráter que leva a uma embaraçosa queda pública.
A tragédia é que podemos ser levados a pensar que é possível desfrutar de uma vida dupla sem consequências. Engana-se os outros e, mesmo que não se admita, a si memo. Não há como enganar a Deus e mudar suas leis. “Não se deixem enganar: de Deus não se zomba. Pois o que o homem semear, isso também colherá” (Gálatas 6.7, NVI). O ventre da imaginação dá à luz o pecado e o pecado, por ser um assassino, cresce e começa a matar. “Então esse desejo, tendo concebido, dá à luz o pecado, e o pecado, após ter se consumado, gera a morte” (Tiago 1.15, NVI). O caráter morre, a devoção morre, o lar feliz morre, a reputação morre, o ministério morre e, talvez, morra também o ministro.

A restauração do caráter

O caráter danificado pode ser restaurado? O ministério rompido pode ser reparado?
Não e sim.
Não, se o ofensor oferece desculpas em lugar de confissão, se mostra remorso em lugar de arrependimento, se resiste à autoridade e busca por todo o lado uma segunda ou terceira opinião. Não, se o ofensor corre para os braços do primeiro falso profeta que disser “Paz, paz”, onde não há paz. Não se o ofensor for em busca de atalhos, um curso de reabilitação rápido e infalível, que não é custoso nem doloroso, supervisionado por alguém que prefere a cal em vez da lavagem branqueadora de Deus.
Sim, se o ofensor está disposto a confessar o pecado com humildade, julgá-lo severamente, desviar-se dele por completo, submeter-se em obediência e cooperar pacientemente enquanto o Oleiro faz o vaso de novo. Se o processo original levou tempo e foi trabalhoso, o processo de reconstrução, da mesma forma, leva tempo e pode ser ainda mais trabalhoso, mas pode ser feito.

Recomendações finais

Nenhum servo verdadeiro de Deus vai tentar descobrir o quão perto do pecado consegue chegar e ainda assim permanecer aceitável para o serviço. Ao contrário, ele respeita as palavras do salmista: “Odeiem o mal, vocês que amam o SENHOR ...” (Salmos 97.10, NVI). Ele considera o conselho de Salomão: “Acima de tudo, guarde o seu coração, pois dele depende toda a sua vida.” (Provérbios 4.23, NVI).

É mais fácil construir um caráter e zelar por ele do que reconstruí-lo depois de tê-lo perdido. “Quero crer que o grande empreendimento na terra é a santificação da própria alma”
(Henry Martyn)

Referências

WIERSBE, Warren W. & David W., 10 Princípios Poderosos para o Serviço Cristão, Editora OBPC, Shedd Publicações, 2013

Compilação de capítulos e notas. As anotações são uma ferramenta mnemônica para o estudo do livro. Muito pouco foi adicionado, vez por outra, uma alteração de sintaxe ou semantica que oferece um entendimento melhor propondo até uma tradução mais adequada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário